domingo, 29 de novembro de 2009

Triângulo

Hoje encontrei um velho amigo. A cor da tarde era de um dourado como a do chopp com o qual brindamos à nossa saúde. Impossível não gravar aqueles matizes na retina. Fiz questão de gravá-los na retina do parceiro que se encontrava à minha frente e à frente daquele pier povoado de passantes juvenis como a tarde. Eu me sinto assim: juvenil. Este é um estado difícil de se disfarçar... juvenil... Poderia ter pego qualquer bicicleta ou skate e me divertido sozinho por toda a orla. Mas sozinho é uma condição que não habita mais em mim.
Voltei o assunto para nossas tardes de verão, na anterior adolescência, quando, mais tarde, pudemos dormir na praia depois de entornar num luau um garrafão de vinho barato. Falei das putas que comemos, do Nense saindo da lanterna, na vã esperança de disfarçar a presença dela, ali, inteira, como ela nunca poderia estar, somente estaria nos meus anseios.
A cada gole de chopp eu engolia um dos suspiros que teimavam em sair quando eu me distraía e, calado, me dava conta de que um homem de 1,90m também suspira.
Até que depois de pedir mais uma rodada, meu velho amigo perguntou quem é ela. Ela. Ela é quem não pode ser. E um pouco surpreso, totalmente aliviado, sinceramente aborrecido pela sensibilidade do meu amigo ter sido desperta e sem ter notado que eu é que estou dando muita bandeira, eu disse:
- Ela não existe.
- Ah, num fode!
- Não existe ela!
- Você vem falando de luz dourada e não tem mulher no meio?
- Pôrra, eu curto fotografia! A gente não se vê há tanto tempo que eu nem sei sobre sua aliança dourada aí e você não sabe nada sobre as minhas fotografias.
- Não enrola... quem é ela?
- Não tem ela, cara!
Se eu expus sua presença jamais revelaria seus modos, seu andar, seu hálito. Meu amor por o que temos é demasiado cuidadoso para que eu o compartilhe com alguém mais. Mesmo sabendo que ela se nega a um novo encontro, minha insistência não cede, nem seu desejo refreia.
Se ela expôs minha presença e revelou meus modos, meu nome e meus hábitos e, pior ainda, se caminhos antigos voltaram a se cruzar, bem fiz eu em negar sua existência.
Se ela expôs a origem da jovialidade renascida, após anos de convívio rotineiro, ela a expôs resplandecendo dourada na retina de quem pôde vê-la.
Se ela pagou o preço dessa exposição, se ela desestabilizou uma união com filhos, a mim, só me resta aguardar, só me resta a espera de um sorriso cúmplice.
Por isso, com o sol se pondo, pedi a conta e fui embora assobiando.