sábado, 12 de dezembro de 2009

Cabeceiras

Eram cinco horas da manhã da quinta-feira quando fui acordada. Feliz. Íamos seguir viagem, pegar a estrada e percorrer 850 km até o sertão de Minas Gerais. Saímos meu pai, minha tia Iade e eu às seis e meia do Rio de Janeiro. Fizemos uma viagem sem pressa, com diversas paradas para esticar as pernas, tomar café e trocar de motorista. Nosso destino estava lá, as placas tectônicas do Brasil são bem sedimentadas. Montes Claros nos aguardava tranqüila como uma grávida de muitos filhos, boa parideira, esperando que nossas 15 horas de estrada transcorressem sem problema algum, como se deu. Chegamos, na verdade, na roça de Montes Claros, na Fazenda Cabeceiras.
O motivo da viagem não foi férias ou negócios. Foi um resgate. Resgatamos os últimos 60 litros de uma pinga de altíssima qualidade, a Viriatinha. O alambique de um falecido parente de minha tia passou para as mãos de uma outra pessoa que agora está produzindo uma cachaça para um outro tipo de público. O fato é que esses 60 litros são muito preciosos, tem muito amor a raízes vinculado a eles, por isso nomeamos a viagem de “o resgate”.
Cabeceiras é uma fazenda linda, onde nasceu uma gente forte e sensível como a água que rompeu placidamente a terra iniciando um rio e assim deu nome à Fazenda Rebentão dos Ferro, que continha anteriormente a Cabeceiras. Rebentão dos Ferro pertenceu a Pedro Ferro, tataravô do falecido marido da minha tia, meu querido tio Jacques, e a Cabeceiras pertence agora a seus irmãos, um povo festeiro e muito orgulhoso de sua origem, como deve ser, pois são gente de muito bem.
Quem nos recebeu na Cabeceiras foi a Generosa, mulher que honra o nome. Ela cuida de tudo em relação à casa. E o faz com muita alegria, o que contribuiu para que meu pai e eu ficássemos à vontade bem depressa, apesar de ser esta nossa primeira vez lá. Com roça nós já estamos acostumados. Ele porque nasceu numa, eu, porque sempre passei as férias nas que ele me levou. Mas, voltando à Generosa, toda hora de lanche ela coava um café fresco. No segundo ou terceiro lanche, a conversa circulou em torno do gostar de café, a quantidade que se tomava, o tomar café à noite, e eu perguntei:
- Não tira o seu sono, não, Generosa?
- É... preocupada de num tê!
Esse falar mineiro está também nas minhas veias, digo, cordas vocais, eu gosto tanto porque era o jeito que minha amada avó paterna falava. E foi bom demais da conta quando o povo começou a chegar na noite de sexta-feira, contando os causos da vida corrida da cidade mesclada com tudo o que acontece na roça nestes dias contemporâneos. Ruth, Marise, cunhadas da Iade, e Rogério, sobrinho dela, ficaram o fim-de-semana nas Cabeceiras. Hilton, concunhado da Iade, orbitaria, afinal, a roça é bem pertinho do centro de Montes Claros, menos de 15 km. A prosa comeu solta, e o Hilton contava uma piada, tocava um violão e a prosa continuava. Tudo regado a Viriatinha, cerveja, pele de porco frita (iguaria semelhante ao torresmo, só que mais crocante) e mandioca cozida.
No fim-de-semana, Cabeceiras recebeu mais gente para a festa. Todo mundo veio pra ficar mais a Iade; cunhados e sobrinhos vieram matar a saudade. De quebra, trocavam um dedim de prosa, ouviam uma viola, bebiam uma pinga e almoçavam uma comida boa feita no fogão a lenha pela Generosa, em panelas enormes, com conteúdos coloridos e borbulhantes. Colorido mesmo era o amarelo do pequi, ame-o ou deixe-o, fruta do cerrado que deve ser comida raspando os dentes em sua semente amarelão. Seu sabor é forte, seu cheiro muito peculiar. Meu pai e minha tia comeram mais de dez cada um. Eu passei batido (reparem o uso de terminologia carioca). Eu sei que o trem, além de ter um gosto estranho ainda é cheio de espinhos. Tem que ter ciência pra comer. Tô fora!
Bonito foi encontrar pequi pra comprar no Mercado Central de Montes Claros. É lá que os produtores da região expõem seus produtos. Uma profusão de cores invade os olhos como quando se vai à feira livre numa manhã de sol. Só que lá pudemos comprar o vermelho do urucum em pó, o amarelo ocre do açafrão-da-terra, o verde esmaecido do tempero misto feito com um cominho com aroma muito ativo. Tirei fotos de compridíssimos paus-de-canela. Num açougue especializado em carne suína, até senti falta daquele odor de morte como existe nos açougues em geral. Não tinha cheiro algum. Incrível. Realmente incrível.
Mas, quem come diz que o danado do pequi também é de difícil digestão para aqueles que abusam. Eu sei que na noite de domingo, a Ruth precisou do remédio da Generosa, o tal do remédio que faz ficar bonita. Eu fui logo perguntando que remédio era esse. É o “SUPER VIDA” o remédio que serve para azia, boca amarga e mau hálito, verme, vesícula, fígado, hepatite, rins, estômago, intestino com prisão de ventre, empachamento e suas manifestações, úlceras gástricas, gastrites, reumatismos e dores musculares, purificador de sangue e das manchas da pele, auxilia no tratamento da diabete, desintoxicante do organismo, diurético e auxilia no tratamento emagrecedor. Emprega-se na anemia, fraqueza e sistema nervoso. Tudo isso somente com o uso de duas colheres em meio copo d’água. Realmente, como disse a Ruth, é de deixar qualquer uma mais bonita!
Na verdade, o ambiente acolhedor e de contentamento que a Cabeceiras oferece é que faz com que quem nasceu lá, quem casou com quem nasceu lá, quem nasceu de quem nasceu lá, quem vive lá e quem tem o prazer de dormir algumas noites sob o telhado da sede fique mais bonito.
Porém, numa das conversas, e lembrando-me das minhas férias em outra roça de Minas Gerais, falou-se do céu estrelado. Portanto, para voltar para o concreto, me preparei.
Eu, que vivo ao nível do mar, estando a 800 metros de altitude, me senti mais perto das estrelas, e, para vê-las, me deitei na grama úmida pelo sereno do cerrado.

Um comentário:

Hana disse...

Olá, se esta na compnhia do blog do Osho, esta bem acompanhada, eu adorei, vou vir sempre..seu post seu blog, é maravilhoso vai fazer muito sucesso. Parbéns
com carinho
Hana