terça-feira, 15 de julho de 2008

Um menino me pediu um dinheiro.


Um menino me pediu um dinheiro. Me chamou de tia, estava colado ao meu corpo, assim, pela esquerda, meio atrás, pronto para me enfiar uma gilete e cortar meu ureter. Me pediu dinheiro quando eu acabava de colocar o celular na bolsa. Dei mole. Como fui falar ao celular andando na rua de noite? Eu falei pra ele, com voz de malandra agulha: - Qual é, amigo? Eu não tenho dinheiro não. Se eu tivesse, não tava andando na rua, tava andando de carro pra polícia atirar em mim.
- Pros bandidos, né, tia?
- Bandido, polícia... Não é a mesma coisa?
- Né, não, tia. Foi mal ter pedido dinheiro. Desculpa aí.
Queria ter tido tempo de perguntar pra ele porque polícia é diferente de bandido. O que será que ele, morador do Salgueiro, Formiga ou Borel, sabe sobre a polícia que eu não sei?
O que eu sei, que eu soube na última semana, é que ali, na esquina da minha rua, a polícia metralhou um carro com insul-filme e assassinou um menino de três anos. A polícia executou a integridade de uma família. Foi em frente ao prédio da minha amiga. As imagens veiculadas na TV foram do circuito interno do prédio dela. Ela ouviu tudo, os tiros metralhados, os gritos de desespero daquela mãe que teve parte de sua vida usurpada.
Minha amiga mora em um prédio de classe média. E ela, assombrada com o que aconteceu, fez reflexões acerca da proximidade da violência. Acerca do fato de a violência ter invadido as grades altas da entrada do prédio, a ponto de fazê-la imaginar que os gritos daquela mãe vilipendiada vinham de dentro dos corredores de seu prédio. A ponto de fazê-la pensar em como a violência roubou a paz do seu lar, lar que foi comprado com sacrifício, com economias vindas de trabalho árduo e com dinheiro emprestado pela avó. E foi a polícia que roubou aquela paz.
Eu e ela ao telefone, falamos que se isso aconteceu em frente ao seu prédio de classe média, no asfalto, numa área em que existem direitos humanos e civis, pensamos em como a polícia age nas favelas, nos morros, na Baixada Fluminense, em lugares em que a pobreza e a necessidade habitam, em lugares em que lares são feitos de material encontrado em depósitos sanitários, em lugares em que o cidadão não tem direitos, não tem Acesso, não tem oportunidades. Em lugares em que seu lar é invadido pela vizinha para roubar o final do saco de arroz da sua prateleira.
Mas, em que estágio agem também os bandidos? Aquele menino que me pediu dinheiro, alguns dias após a tragédia acontecida, me fez enxergar que os bandidos estão em um nível diferente do que a polícia está. Eu, mesmo sendo contra qualquer tipo de repressão, mesmo tendo uma visão libertária em relação a qualquer controle por parte da sociedade e do Estado, agora penso no que aquele menino malandreado, que julguei que iria me furar e que me pediu desculpas, eu penso no que será que ele acha da polícia, para ter me esclarecido que polícia e bandido são diferentes.

Um comentário:

Lua disse...

Eu to numa fase de assumir minha cordialidade e não crer em merda de mudança alguma nesse Brasil. cheia de amiguinhos neo-burgueses, que discutem entre whiskies e canapés de foie gras se a "favela vai descer pra nos dominar", fico pensando se a "porliça" não vai assumir sua carranca de vez e nos surpreender com uma bala na cabeça, enquanto estamos achando que o menininho que nos abordou vai nos furar...

Ai, ai, a maldita cordialidade... E o que será que o menininho pensa, Stellar?

Beijos