sexta-feira, 31 de julho de 2009

O camelo azul




O camelo azul.


Freada de bicicleta.
- Pára, porra. Não te empresto mais.

- Foi mal, não vou repetir. Deixa eu dar mais uma volta?

- Vai só até a esquina e volta. Também quero andar...


Esses dois sempre se entendem. Um de onze e o outro de dez. Desde quando corriam descalços e com chupeta na boca pelas ruas de subida do Morro do Juramento. Narizes escorrendo, misturados com o sumo de manga dos verões no subúrbio. Sorvete da Kibon não dava pra escorrer, o dinheiro do vô era curto, como continua sendo. Sacolé a vó fazia, de manga, também.
Na primeira vez que viram uma goiabeira, traçou-se o pacto de confiança e cumplicidade. Claro que treparam na goiabeira, um subindo na frente para alcançar a fruta maior lá do alto. E se deixando sem guarda, em posição de quem confia muito em quem vem subindo atrás. Laço de amor. Se alternavam na liderança, corações puros.
Tal goiabeira estava plantada no quintal de dona Clementina, uma viúva solitária, que permitia e se deliciava com as aventuras dos dois meninos pelo seu quintal. Dona Clementina recebia raras visitas de sua filha Jurema, que havia escolhido, por deleite, por gostar de homem mesmo, o ofício dos mais antigos. Jurema passou a visitá-la somente após a morte do pai, mesmo assim com baixa freqüência. Mas, Jurema em casa era alegria para o coração daquela mãe, que conseguia entender o arder no corpo da filha – devia ter herdado do pai, que não a tinha deixado em paz até o dia da morte.
E Jurema apareceu em uma tarde de verão, 42 graus nas ladeiras do morro do Juramento. Os meninos estavam no quintal. Dona Clementina na varanda da casa olhando os dois trepados na goiabeira. Quando ela abriu o portão, os meninos desceram da árvore para pedir água à dona Clementina. Jurema disse:
- Água, nada! Você vão tomar é picolé da Kibon!
E tirou da bolsa de couro colorido três notas de mil Cruzados Novos. Os olhos dos meninos cintilaram.
- Jureminha! ‘Brigado! E saíram desembestados para a padaria, enquanto Jurema abraçava a mãe que deixava suas lágrimas escorrerem pelo ombro da filha.
Quinho ainda estava sedento e diminuiu o ritmo. Como estava segurando as notas, ficou olhando-as:
- Celo, esse careca barbudo deve ser importante pra caramba, hein?
- Ah, cê vai querer o seu de quê?
- Acho que vou querer de morango.
- Boa. Eu também vou querer de morango.
E chegaram na padaria.
- Moço! Tem picolé da Kibon?
- Tem sim, deixa eu pegar a chave pra abrir pra vocês.
- A gente vai querer de morango. Disse Quinho.
- Ih, mas só tem de manga, uva e goiaba.
- Aaaaahhh! Então eu vou querer de uva. Falou Celo.
- Eu vou querer de goiaba. Preferiu Quinho. – Por causa da nossa goiabeira.
Eles entregaram os três “barões” e receberam algumas moedinhas de troco. Voltaram andando com cuidado para aquelas preciosidades não caírem no chão. Mas não durou muito tempo. Celo tirou o papel todo e jogou fora, o sorvete nem escorreu pela mão. Quinho manteve o papel e foi mordendo devagar aproveitando pra dizer que goiaba ele conhecia a árvore, mas que não conhecia a árvore da uva, só os cachos. No final do picolé, quando Quinho tirou o papel fora, ele viu algo estranho no palito, tinha alguma coisa escrita nele! VALE UMA BICICLETA. Quinho começou a gritar, chamando por Celo, mandando ele ler, gritando – Eu ganhei, eu ganhei! Celo dava pulos de alegria, abraçava Quinho, os dois corriam juntos subindo a ladeira, entraram no quintal de dona Clementina, gritando por Jurema, - Olha só, Jureminha, foi por sua causa! Eu tenho que mostrar pro vô, a gente vai ter que ir na fábrica da Kibon buscar a bicicleta, tomara que seja azul! Será que o motorista de ônibus vai deixar a gente entrar com um camelinho azul? Jureminha!!!!!!

E, agora, o camelo azul entre eles.

Um comentário:

Guilherme Canedo disse...

Fan, muito lindo o seu conto... Me deu saudades daquele tempo onde o pé de goiaba era uma árvore enorme!

Gostei muito!

beijos